quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Nas Páginas: Tirza - Arnon Grunberg


Tirza foi minha terceira leitura da editora Rádio Londres. A capa segue o mesmo padrão de Stoner e antes mesmo da leitura, já imaginamos o protagonista Jörgen com o rosto que estampa a capa. Já recebemos uma espécie de prévia do protagonista, uma amostra não muito confiável, afinal de contas, não temos certeza se é o Jörgen  mesmo que está ali. Ainda assim, é incontrolável fazer apostas sobre a personalidade dele a partir da capa. Seria Jörgen um nerd frustrado? Seria ele um erudito? Mesquinho? Invejoso? Triste? Medroso?

Passadas minhas indagações acerca da capa, que vieram antes de eu ter o livro em mãos, na minha onda de comprar livros da Rádio Londres, não pude deixar Tirza de fora da minha vida, ainda mais que ele havia sido relançado com uma edição revista e com acabamento em capa-dura. Comprei e já dei um jeito de colocá-lo no projeto de leituras para 2018 (não queria que ele escapasse de forma alguma). Pois bem, em alguma semana perdida de Julho, eu li Tirza.

Em primeiro lugar, gostaria de comentar sobre o clima da história. Há durante todo o livro uma atmosfera de tensão. Não uma tensão qualquer, mas um clima de que qualquer um dos personagem vai perder a cabeça e fazer alguma coisa terrível mais cedo ou mais tarde. Entre eles, Jörgen é o primeiro da fila para fazer alguma atrocidade. A cada novo recorte do passado que nos é apresentado pela história, a perturbação do protagonista parece mais clara e justificada. Eu cheguei até a pensar que ele suportou essa situação por tempo demais e enxerguei certa perseverança naquele pobre homem. Na verdade, ele não é tão pobre assim, nem financeiramente e nem digno de pena, talvez um pouco, já que não posso negar que me compadeci da situação dele em várias partes. E esse sentimento de que Jörgen já deveria ter perdido as estribeiras há algum tempo é que dita a tensão do clima da história.

Em segundo lugar, acho importante falar da escrita detalhada de Grunberg. Embora as descrições de cenários e pessoas também sejam ricas, é na vida interior dos personagens, sobretudo na de Jörgen, que a mágica da escrita está. As várias passagens em que nos sentimos como se estivéssemos acompanhando os bastidores das decisões do protagonista são impressionantes, entretanto essa mágica,que retrata tão ricamente o psicológico dos personagens, pode parecer uma maldição para algumas pessoas. Ela faz com que o desenvolvimento da história seja lento e em alguns momentos ate mesmo cansativo. Há quem diga que isso é um problema, mas eu já abandonei a ideia de que livros lentosg anham um ponto desfavorável instantaneamente. É claro que vencer a lentidão vai demandar uma paciência extra durante a leitura, mas não é, de forma alguma, algo que desmereça o livro. Esse detalhamento psicológico não está ali apenas por capricho do autor ou só para deixar a leitura arrastada, é esse conhecimento sobre as motivações dos personagens que intensifica a sensação de que uma atitude desesperada pode vir de quase qualquer um e molda o clima de que na próxima página pode acontecer um pequeno apocalipse .

A história de Tirza tem como estopim a festa de despedida da própria Tirza. Ela decidiu fazer uma viagem pela África com o namorado e uma festa de despedida foi organizada na casa dela. À medida que os preparativos e a própria festa vão se desenrolando, porções decisivas do passado de Jörgen, pai de Tirza, e dos outros familiares, a irmã e a mãe, vão surgindo. Cada um desses flaskbacks vai colorindo a situação crítica que apenas é vislumbrada a partir da trama que está se desenvolvendo no presente. É o passado que vai preenchendo as lacunas e adensando a previsão de que Jörgen vai explodir e sujar tudo a sua volta de sangue e miolos.

Lendo as atualizações que fiz no histórico de leitura do Skoob, vejo que fiquei bastante impactado com várias coisas que aconteceram. Agora, elas não me parecem tão chocantes, mas sem dúvidas são inesperadas. Elas acontecem em sucessão, quando aparece algum trecho sobre algum acontecimento do passado, você já pode esperar que vai vir mais uma desgraça da vida do Jörgen. Repito, a vida dele é bem desgracenta, mas ele não é santo. Ele acaba tomando atitudes muito estranhas (para não dizer irracionais) diante das coisas que lhe aconteceram. Percebe-se uma forte influência de uma preocupação doentia com as aparências na postura dele. O que o mundo vai pensar? O que os vizinhos vão pensar? O que minha família vai pensar? E essa preocupação acaba por fazer com ele acumule todos os medos, incertezas, inseguranças, desaforos, humilhações e, diante de tanto caos interior, enlouquecer parece a solução mais racional.




Título: Tirza
Título Original: Tirza
Autor: Arnon Gunberg
Tradução: Mariângela Guimarães
Editora: Rádio Londres
Páginas: 501
Ano da edição: 2016
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