segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Nas páginas: Menino de lugar nenhum - David Mitchell


De forma muito sintética podemos dizer que o livro "Menino de lugar nenhum" trata da vida do jovem Jason Taylor ao longo do ano de 1982. Quando temos 13 anos, que é a idade de Jason em 82, vemos o mundo de uma forma ligeiramente distorcida e com o Jason também é assim, talvez até um pouco mais desconjuntada do que normalmente acontece com garotos dessa idade. Aos 13, o tempo passa de uma forma desconjuntada, os acontecimentos, mesmo os simples, parecem assumir proporções gigantescas e há uma sensação opressiva de que a vida continuará daquela forma para sempre. Os mesmos problemas, a mesma rotina, as mesmas dificuldades se repetindo por uma interminável sequência de anos.


Jason trava ao falar (ele não gagueja, mas trava em algumas palavras, embora sejam coisas diferentes, algumas pessoas costumam confundir), sofre bullying na escola e pressente que há alguma coisa errada com sua família, embora ele não seja capaz de encontrar um sentido maior nos desencontros que ocorrem frequentemente (entre os pais e entre Jason e sua irmã mais velha). Talvez esses sejam problemas que assolam uma boa porção de garotos dessa idade, tanto os problemas de popularidade e as agressões morais quanto a incapacidade de compreender o mundo dos mais velhos, sim, eles vivem em um mundo aparentemente impenetrável para quem tem 13 anos. Por isso, é quase certo que os leitores, mesmo os que tiveram êxito social na juventude, não sofreram bullying e tiveram uma família imune a desencontros, vão acabar se identificando com Jason Taylor.


Gostaria de destacar dois aspectos da história que mais chamaram minha atenção. O primeiro é o constante empenho de Jason em suprimir suas características que poderiam ser encaradas como "bichice". É triste perceber como a pressão social e a necessidade de aprovação dos outros são capazes de prejudicar a vida de um garoto e fazer com que ele esconda quem ele realmente é. Já a segunda trata da relação de Jason com a literatura. O talento de Jason para a poesia (uma bichice sem tamanho, de acordo com os cascas-grossas do colégio) acaba sendo uma das características que ele se esforça para suprimir, objetivando não dar mais um motivo para ser marginalizado pelos outros alunos da escola, afinal de contas, já havia motivos mais do que suficientes. Ao longo do livro, percebe-se que a poesia é algo intrínseco à personalidade de Jason, como um desejo que surge espontaneamente. Mesmo com todo o elaborado esforço para mantê-la escondida, a poesia simplesmente faz parte de Jason e se manifesta subitamente em sua mente. Um dos capítulos mais interessantes do livro, "Solário", enfoca exatamente esse talento. Nele, Jason encontra, por acaso, uma espécie de guia para sua poesia, Madame Crommelynck. As conversas entre os dois envolvem temas como a natureza da arte, da poesia e o significado do tempo. Essas discussões são intrigantes e nos fazem perceber o quanto a ingenuidade e a sinceridade podem estar próximas do conhecimento.


Por tudo isso, gostaria de agradecer ao David Mitchell por ter escrito algo tão surpreendente e ao mesmo tempo tão próximo e familiar para todos nós (sabe aquele papo de encontrar o universal no particular?). Agradeço por ter conhecido Jason Taylor e por ter sentado ao lado dele rumo à escola, mesmo ele sendo considerado um completo verme.

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