Don Delillo é um autor americano contemporâneo com bastante notoriedade por essas bandas. Depois de ver comentários sobre ele aqui e ali, decidi que incluiria um livro dele no meu projeto de leituras pra 2018. Como minhas compras de livros são movidas por promoções, decidi que meu primeiro livro dele seria Zero K, que estava com o preço mais em conta, embora eu quisesse muito ler Ruído Branco. Já que o destino (e as promoções) quiseram assim, comecei a leitura de Zero K.
Esse livro tem como pano de fundo uma instituição misteriosíssima que desenvolve um procedimento em que o corpo de uma pessoa é congelado (o título do livro vem daí, zero k, o zero absoluto) para que ela possa ressurgir no futuro, seja em um momento em que já exista uma cura para a doença que levaria essa pessoa à morte ou simplesmente para que ela possa ultrapassar a validade de nossos corpos humanos e viva no futuro, que seria impossível de alcançar segundo nossa expectativa de vida. Com esse contexto, acompanhamos Jeffrey em sua estadia no prédio pouco convencional dessa instituição para apoiar a mulher de seu pai que passará pelo tal processo. Com essa premissa principal, Zero K é muito mais sobre os anseios, inseguranças e dúvidas de seus personagens do que sobre a história de alguém que vai acompanhar uma pessoa próxima durante o procedimento de congelamento. Na verdade, creio que todo esse contexto ou a trama dos personagens são uma espécie de estopim para desencadear as reflexões que ocupam grande parte do livro.
Enquanto está na instituição, Jeffrey confronta diversas questões que são suscitadas pelas implicações desse procedimento. Nesses momentos, Don Delillo usa toda sua habilidade retórica para nos proporcionar reflexões interessantes sobre vida e morte, sobre o tempo, sobre a mente, sobre exploração exarcebada dos recursos naturais, entre vários outros temas. Para mim, esse desfile de reflexões acabou por ofuscar a história e os desdobramentos que os acontecimentos poderiam ter. Algumas reflexões, embora impulsionadas pelo momento delicado pelo qual os personagens estão passando, me pareceram um pouco avulsas.
Gostaria de pontuar algumas questões que são bastante interessantes. A primeira diz respeito ao prédio, à estrutura em que a instituição funciona. O próprio prédio, sua organização e localização, parece constituir uma espécie de metáfora do próprio procedimento que é desenvolvido dentro dele. Aquele lugar parece uma cápsula do tempo, uma cúpula que isola o que estiver dentro dela do mundo, da humanidade; eu diria mais, diria que aquele prédio é capaz de separar as pessoas do tempo e do espaço. Seria isso uma tentativa de fazer com que todos que estão ali experimentem uma sensação semelhante a daqueles que se submetem à suspensão criogênica? Lá, há novas regras, novas intenções, como um pequeno mundo que não pertence à via láctea, mas a um universo quase inteiramente novo, como se tivesse sido moldado sob preceitos estéticos, éticos e morais próprios e propícios aos objetivos da instituição. Outra questão interessante diz respeito ao momento em que a mente de Artis, a esposa do pai de Jeffrey, está separada de seu corpo, e desenvolve um diálogo consigo mesma. Mas será mesmo um diálogo? Uma mente absolutamente sozinha, sem seu próprio corpo, seria capaz de dialogar consiga mesma? A mente de Artis questiona aspectos básicos do ser. Quem será ela? Aquela mente é ela mesma? Aqueles pensamentos são ela? Ela continua sendo a mesma?
Minha experiência com Zero K foi positiva, no entanto, acredito que a história e as reflexões poderiam ter sido orquestradas de forma mais homogênea. Senti como se a história existisse ali apenas para engatilhar as reflexões. Para mim, as reflexões deviam servir à história e não o contrário. Também gostaria de reclamar do tamanho das reflexões e explicações que, além de serem numerosas, são longas, e chega a um ponto em que você pensa que são intermináveis. Don Delillo, ainda espero ter uma experiência inteiramente positiva com você. Que venha Ruído Branco!
Título: Zero K
Título Original: Zero K
Autor: Don Delillo
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 272
Ano: 2016
0 comentários:
Postar um comentário