A maratona do Oscar 2018 continua, chegou a hora do quarto filme ser comentado e a obra da vez é Três Anúncios Para Um Crime. Antes mesmo de começar a maratona, a expectativa já era alta. Ele havia ganhado o Globo de Ouro de Melhor filme na categoria drama, melhor roteiro, melhor atriz e melhor ator coadjuvante. Entre os indicados ao Oscar, foi ele que atraiu mais minha atenção, sobretudo por causa dos prêmios, e eu não esperava menos do que um filme incrível. Apesar de à primeira vista, o título original do filme soar um pouco incomum, Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, depois de entender a premissa da história, percebemos que ele evoca muito acertadamente a força que faz a trama se movimentar.
No filme, acompanhamos Mildred, que decide usar três outdoors em uma rodovia pouco movimentada de Ebbing para reivindicar da polícia a resolução do caso de sua filha. Angela fora brutalmente estuprada e assassinada e as investigações estão estagnadas e o abandono do caso parece certo. Quando os anúncios nos outdoors são instalados, uma série de acontecimentos começam a se desenvolver. Temos uma reação da própria polícia, sobretudo, do policial Dixon. Ele é uma espécie de puxa-saco e protegido do delegado (talvez, ele enxergue no chefe algum tipo de figura paterna ou mesmo seja apenas grato pelo apoio, até mesmo ilegal, que o delegado lhe dá). Por isso, ao ver que os anúncios se dirigem diretamente ao delegado e questionam a eficiência do trabalho da polícia, Dixon toma todas as dores daquilo e transforma-se num defensor fanático do que ele considera ser a honra do delegado e da corporação. Parte da própria população de Ebbing também toma partido, por meio da figura de um pastor, e fica contra Mildred, além, é claro, de surgirem vários casos em que ela é covardemente hostilizada. Logo depois que os outdoors são instalados, aparecem pessoas que se consideram defensoras do delegado e contra a atitude de Mildred de expor a ineficiência e o descaso da polícia para solucionar aquele caso.
Embora tenha essa premissa como alicerce para a história, Três Anúncios se traduz nas atitudes e angustias de seus personagens. São eles que povoam o universo tenso de Ebbing e constituem o âmago da história. Em primeiro lugar, Mildred. Uma mãe que, após a tragédia que aconteceu com sua filha, se fechou para o mundo. No semblante de Mildred, percebemos a trajetória de sua dor, vemos o caminho que ela percorreu até aquele estado de revolta e apatia. É uma personagem forte, determinada, que busca justiça e vingança, como forma de afastar os arrependimentos e os sofrimentos que inundaram sua vida. Ela se comporta como se não tivesse mais nada a perder, como se nenhuma consequência ou punição fosse suficientemente ruim para impedi-la de lutar ferozmente por justiça.
Em segundo, o delegado Willoughby. Ele é um policial que caminha por uma sinuosa trilha em que se opõem seus deveres como policial e as negligências e abusos que parecem fazer parte da rotina dos policiais da cidade. Apesar de estar disposto a solucionar o caso de Angela, as alternativas disponíveis por meio do sistema policial para a solução do crime se esgotaram. Percebemos em várias situações que, embora seja a personificação do sistema policial em Ebbing, Willoughby tem suas ações pautadas em um contradição, ele reconhece a dor e a necessidade urgente que Mildred tem de justiça, mas também as limitações impostas pela corporação que aparentemente são impossíveis de ultrapassar. Por último, Dixon. Um personagem controverso, caótico e violento. Ele vive com a mãe e é depende dela até mesmo para resolver suas questões pessoais (seria ele um exemplo de americano branco, hétero, preconceituoso, racista, mimado e ignorante?). Dixon tem um histórico de infrações e abusos graves como policial, mas é acobertado pelos colegas e, sobretudo, pelo delegado Willoughby. Assim, ele continua desempenhando seu trabalho de forma tosca e seu comportamento representa muito bem o perfil da polícia Ebbing. Em resumo, Dixon é um agente do caos. Ele não tem nenhum filtro para suas ações e não se preocupa nem mesmo um pouco com as consequências delas. Ele parece ser incapaz de refletir sobre suas próprias ações e de ter alguma empatia por quem quer que seja (o delegado é uma exceção). Mesmo nos casos em que Dixon tem um comportamento que possa ser considerado bom e que possa ser encarado como algo feito em benefício de outra pessoa, há, por trás de tudo, o objetivo de alcançar alguma realização para si mesmo.
Gostaria de pontuar o clima tendencioso de Ebbing. Depois de algum tempo do filme, já se percebe que a cidade vive uma época de extremos. Há uma aparente calmaria que pode explodir com uma simples faísca. As relações dos personagens estão no limite, há uma tensão constante e uma certeza de que a qualquer momento uma desgraça pode acontecer. Além disso, a cidade é violenta e ao longo da história vão se somando outros crimes ao caso da filha de Mildred O filme é recheado de agressões físicas, depredações e atitudes radicais. Tive a sensação de que em Ebbing não há meio termo, não há acordo, não há gentileza e nem conversa, apenas fogo, destruição e gritos. As cenas mais calmas,em que há algum entendimento entre os personagens parecem destoar do restante do filme, como se elas fossem apenas exceções num mar de extremismos.
Outra questão interessante que eu gostaria de ressaltar é a forma como os acontecimentos que constituem a trama se articulam. Há uma conexão peculiar entre as ações dos personagens e tudo parece se encaixar com uma surpreendente exatidão, como se houvesse uma força sobrenatural que governasse as vidas deles e orquestrasse tudo com ares de coincidências quase inacreditáveis. Além disso, há um tom cômico que divide espaço com o drama carregado do filme. Há situações em que se equilibram tensão e humor para criar um clima incomum que nos faz questionar se aquilo está mesmo acontecendo.
Resta dizer que o filme é ótimo. É pesado, é forte e me deixou inquieto. Ele representa muito bem uma teia de ações e reações que nem sempre incidem sobre os mesmos indivíduos e, assim, instaura uma rede de pessoas que empurram umas às outras, transmitindo parte daquilo que lhes aflige ou alegra. Três Anúncios Para Um Crime fala de um estado crítico, de pessoas que estão no limite, de um momento decisivo que pode, a partir de uma perturbação, destruir a todos que estiverem próximos. Escrevendo este texto percebi que talvez estejamos vivendo em momento semelhante a esse, vivendo em uma frágil sombra de paz que esconde sob si o dinamite que a qualquer momento, por causa de uma negligência, de um descuidado, desentendimento ou suposição, poderá explodir.
Título: Três Anúncios Para Um Crime
Título Original: Billboards Outside Ebbing, Missouri
Direção: Martin McDonagh
Ano: 2017 (2018 no Brasil)
Duração: 1h 55min
Elenco
Principal: Frances McDormand (Mildred), Sam Rockwell (Dixon), Woody Harrelson (Willoughby),
Caleb Landry Jones (Red Welby), Peter Dinklage (James), Lucas Hedges (Robbie)
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