O terceiro volume da série A Roda
do Tempo parece o último livro de uma espécie de trilogia dentro da
saga. Uma trilogia que narra o processo de descoberta, aceitação e, por fim, confirmação
de que Rand Al'thor é o Dragão. É nesse
livro que temos uma visão mais ampla dos principais acontecimentos dos outros volumes
e, a partir de uma perspectiva posterior aos fatos e já conscientes de alguns caminhos
pelos quais a história seguirá, podemos atribuir novos significados às sensações
e emoções que tivemos ao acompanharmos aquelas jornadas de perto. Além de
proporcionar uma ressignificação do que já aconteceu, O Dragão Renascido
desenvolve e acrescenta elementos importantes à trama. Nesse livro enxergamos mais
claramente as contribuições dos diversos personagens para a ascensão do Dragão,
que, agora, parece de fato ser o elemento norteador da saga até aqui. Ao evidenciar a jornada em prol do renascimento do Dragão, as
histórias dos outros personagens principais é habilidosamente ampliada, e vemos
um delinear instigante das trajetórias pessoais dos outros protagonistas, que, em muitas
situações, são tão interessantes quanto a do próprio Rand.
Gostaria de falar um pouco dos
quatro focos narrativos que temos no livro. Inicialmente temos duas
perspectivas, a das pessoas que ficam no acampamento, ao lado de Rand após o
conflito em Falme (ocorrido em A Grande Caçada), e as que partem para Tar
Valon. No entanto, há outra divisão e cada um desses grupos se divide mais uma
vez, resultando nos 4 focos narrativos que acompanhamos ao longo do livro. Em
primeiro lugar, tratemos dos dois focos narrativos oriundos do grupo de
personagens que ficaram no acampamento com Rand. O primeiro desses focos
narrativos é o que acompanha Rand e sua busca semiconsciente por Callandor, a
espada destinada ao Dragão renascido. No início do livro, temos um Rand
amargurado pelo peso de ter se proclamado Dragão. Além disso, Rand está
tentando habituar-se ao uso do poder único e à forma maliciosa como a mácula do Tenebroso o envenena sempre que toca Saidin. Todo esse conflito, somado à
sensação de responsabilidade que recaiu sobre ele acerca das vidas daqueles que
se declararam como seus seguidores e à influência do Tenebroso por meio de
sonhos e visões, Rand parece estar por um fio de mergulhar definitivamente na
loucura. Será essa loucura o resultado das vezes em que ele deixou-se
contaminar pela mácula de Saidin? Então, em meio a esse conflito esmagador,
Rand entrega-se ao chamado de Callandor. Movido por um misto de obsessão e da
vontade de provar-se ou ser rejeitado de uma vez por todas como Dragão, Rand
abandona seus amigos e a comitiva que o acompanha, e dá início a uma longa e
turbulenta viagem, assombrada por visões e sonhos com o Tenebroso, à Tear, onde está a espada.
O segundo foco narrativo se
refere aos companheiros de Rand que decidiram ir atrás dele, após sua fuga furtiva. Nesse grupo estão Moiraine, Lan, Loial
e Perrin, que assume o papel de protagonista. Nesse foco narrativo, aparecem
duas questões importantes. A primeira é sobre a descoberta e desenvolvimento da
ligação de Perrin com Tel'aran'rhiod, devido à sua relação com os lobos. Perrin
descobre que é capaz de acessar esse mundo dos sonhos, mesmo sem
compreender o processo e sem saber exatamente o que ele é. Em
Tel'aran'rhiod, Perrin tem por guia o lobo Saltador que morreu em um embate em
O Olho do Mundo. Nessas incursões na dimensão dos sonhos, Perrin acaba por
descobrir informações importantes que, para nós leitores, vão se juntando a
outros fatos ocorridos com outros personagens, como Mat e Rand, mas que, para
Perrin, acabam não fazendo tanto sentido (como as questões envolvendo
Selene/Lanfear). A segunda questão importante trata do aparecimento de novos
elementos que compõem o séquito do Tenebroso, como os Homens Cinzas, os Cães
das Trevas e a revelação de mais Abandonados que, inclusive, já estão há algum
tempo conquistando mais poder político. Frente aos novos conflitos diretos que
surgem, especialmente contra os Cães das Trevas, vemos demonstrações majestosas
do domínio de Moiraine sobre o poder único e das habilidades de Lan como batedor
e guerreiro. Os combates são decisivos e as coisas começam a sair do controle, pela primeira vez, pude sentir de fato que o Tenebroso está um passo a frente dos nossos heróis. Em
algum momento desse foco narrativo, temos a introdução de uma personagem
importante, sobretudo, para a história de Perrin, Zarine (ou Faile, que significa
falcão e faz dela uma das fortes candidatas a se tornar um dos falcões com que
Perrin tem sonhado), uma caçadora que está em busca da Trombeta de Valere e de
algum modo, ao meu ver um modo um pouco obscuro, intuiu que os quatro viajantes
poderiam lhe levar, ou pelo menos dar alguma pista, acerca do paradeiro da
Trombeta.
Agora tratarei dos dois focos
narrativos que surgiram do grupo que partiu rumo à Tar Valon. Nesse foco
narrativo temos Elayne, Nynaeve e Egwene, que assume o protagonismo. No A Grande
Caçada, as garotas haviam fugido de Tar Valon e seu retorno significaria um
acerto de contas e a retomada de seu treinamento como Aes Sedai. Nesse foco
narrativo, temos três pontos importantes. O primeiro trata do tom investigativo dado
a essa perspectiva. A Amyrlin acaba por atribuir à Nynaeve e Egwene a tarefa de
encontrar as Aes Sedai que rebelaram, assassinaram suas irmãs, roubaram vários
ter'angreal e se declararam como sendo apoiadoras do Tenebrosa, ou seja, da Ajah Negra. As meninas deveriam
investigar as próprias irmãs Aes Sedai, para identificar alguma outra traidora,
e, sobretudo, encontrar pistas e localizar as doze traidoras, aparentemente, lideradas por Liandrin. Essa investigação é que faz com que as garotas sigam os
rastros da ajah negra até Tear (parece que tudo está conduzindo até Tear, num é
mesmo?). A segunda questão é sobre o desenvolvimento do domínio das garotas
sobre o poder único e da evolução delas em seu treinamento como Aes Sedai.
Egwene avança em seu treinamento como Sonhadora e consegue entrar no
Tel'aran'rhiod com a ajuda de um Ter'angreal. Nesse ponto temos uma junção com a
narrativa de Perrin e, mesmo não tendo conhecimento um do outro, ambos estão
explorando a dimensão dos sonhos. Na verdade, é com Egwene que temos uma visão
mais clara do que é Tel'aran'rhiod, do funcionamento desse mundo e de suas
propriedade (e é incrível). Sobre Nynaeve, embora tenha um poder excepcional, ela
continua com a limitação de só conseguir canalizar quando está nervosa, e isso
acaba sendo um grande empecilho e até mesmo motivo de algumas piadas por
parte de suas amigas. Elayne parece ser a que possui o domínio de Saidar mais
equilibrado, forte e sem limitações, como a de Nynaeve.
Elayne se destaca pelo seu conhecimento acerca do mundo, sobre seus povos, suas
nações e conflitos. Sabemos que nesse sentido o conhecimento dos ex-moradores
de Campo de Elmond é bastante limitado. Por fim, o terceiro ponto, que trata das
conexões e da ampliação do universo que essa narrativa nos proporciona. Saber
mais sobre Tar Valon e as Aes Sedai sempre foi um dos meus maiores desejos desde
O Olho do Mundo. Aos poucos, essa narrativa começa a nos revelar vários desses
segredos, dando continuidade aos que haviam aparecido em A Grande Caçada. Vemos
novas formas de manifestar o poder único, vemos o cotidiano em Tar Valon,
conhecemos novas Aes Sedai e nos aprofundamos naquelas que já haviam aparecido,
surgem novas informações sobre uma cultura que encara as mulheres capazes de
canalizar de forma diferente e temos uma aproximação com os Aiel (Aviendha, guarde esse nome). São vários os elementos que
só haviam sido mencionados anteriormente que agora são integrados à história e isso torna
tudo muito interessante.
Por fim, temos o último foco narrativo, que acompanha Mat e,
posteriormente, Thom. Esse foco narrativo começa a partir de um grande evento
mágico que é prometido desde O Olho do Mundo, o ritual em que as Aes Sedai
retirariam a mácula de Shadar Logoth de Mat. Além de colocar Mat de volta no jogo (desculpem o trocadilho infame), e livrá-lo da maldição que o atormentava há muito tempo, esse ritual consiste,
ao meu ver, em uma das cenas de canalização mais legais da saga até então. Já
de posse de sua saúde, embora tenha perdido quase todas as lembranças da época
em que esteve sob a influência da adaga, os serviços de mensageiro de Mat são
solicitados por Elayne, Egwene e Nynaeve. Então, atendendo ao pedido de suas amigas, Mat parte para Caemlyn com o
intuito de levar uma carta de Elayne para sua mãe, a rainha Morgase. No entanto, todo esse processo não foi tão simples, Mat estava sendo
mantido em Tar Valon a força pelas Aes Sedai, com a justificativa de proporcinar a ele um ambiente favorável para sua recuperação plena, no entanto, sabemos que o motivo pode ser outro,
afinal de contas, Mat tocou a Trombeta de Valere em A Grande Caçada. Assim, Mat precisa usar sua
típica perspicácia (lábia), além de um presentinho de suas contratantes, para driblar a
proibição da Amyrlin. Em sua viagem, Mat encontra Thom que, depois de ter
sofrido um grande revés e estar frustrado com a vida, decide acompanhá-lo. Por ironia do destino, Mat também
acaba sendo conduzido, após entregar a carta à Morgase, à Tear. Enquanto ainda
está em Caemlyn, Mat faz descobertas importantes e estou certo de
que isso será retomado posteriormente. Um ponto interessante dessa narrativa é
que Mat começa a entender um pouco melhor sua relação com a sorte e a usá-la
conscientemente a seu favor. Durante a viagem até Tear, Mat conhece uma
personagem que me intrigou um pouco, Alundra, uma
iluminadora. Talvez, ela possa ressurgir no futuro.
Essas são as 4 perspectivas que
nos levam até o desfecho de O Dragão
Renascido. As quatro linhas narrativas convergem para Tear, onde está a espada
Callandor (que apesar de ter a forma de uma espada é, na verdade, um sa'angreal
muito poderoso) e Rand, caso consiga empunhá-la, terá a confirmação de que ele é o Dragão
Renascido. Entre os quatro enfoques, o que acompanha Rand é o mais vago e temos
apenas algumas cenas de sua jornada até Tear. Nessa jornada, Rand experimenta
um pouco mais do poder único e mergulha cada vez mais na loucura, que possivelmente vem da mácula do Tenebroso em Saidin. Sobre as
outras narrativas, temos um desenvolvimento muito interessante dos personagens.
Podemos enxergar a devida importância de cada um na história global e como a trama de A
Roda do Tempo é construída a partir da contribuição de vários personagens e
que, mesmo o enredo principal sendo bastante evidenciado, as histórias
individuais e os dramas pessoais são muito bem construídos e dosados. O crescimento dos
outros personagens, aqui incluo Perrin, Mat, Egwene, Nynaeve e Elayne, é
gratificante e consistem nas partes mais
empolgantes da história. A busca de Rand por Callandor representa apenas o
ponto de partida e de chegada da trama, não que isso seja pouco, mas são as
aventuras, o amadurecimento e os conflitos dos outros personagem que constituem
o livro propriamente dito, dessa vez, eles são os protagonistas de suas
próprias jornadas.
É interessante perceber o quanto
O Dragão Renascido nos possibilita enxerga a história da saga até aqui sob
outra lente. Acontecimentos que, quando ocorreram, não tiveram grande impacto em mim, como o surgimento de dois Abandonados em O Olho do Mundo (Balthamel e
Aginor), ou os conflitos dentro de Tar Valon, entre as próprias Aes Sedai, ou as
disputas políticas entre algumas das cidades que apareceram no primeiro livro, ou a organização e amplitude das maquinações dos amigos das trevas, adquiriram novas cores. Essas
questões foram modificadas e implementadas a partir do que aconteceu em O Dragão
Renascido. Foi nesse livro em que pude compreender o desespero da confirmação
da libertação de alguns dos Abandonados. Depois dessa leitura que compreendi que há uma teia de
interesses complexa envolvendo o retorno do Dragão e que as Aes Sedai são
apenas um fio dessa teia, na verdade, um fio que ainda não alcançou um
consenso, e apresenta diferentes interesses em si mesmo. Foi com O Dragão
Renascido que pude enxergar, finalmente, o mapa que aparece em cada um dos
livros como a representação de um mundo verossímil, com disputas, alianças e
particularidades culturais de cada uma de suas cidades e regiões. Nesse livro,
encarei de outra forma o culto ao Tenebroso. Não são apenas Trolocs e
Myrddraal, mas algo organizado, com membros poderosos e que podem estar
infiltrados em contextos tidos como incorruptíveis.
Então só resta dizer que O Dragão Renascido é um ótimo
livro. Um passo importante na saga e uma ampliação significativa de elementos e
conflitos que só haviam sido apresentados anteriormente. Temos a introdução do
Tel'aran'rhiod, que me parece ser algo que será bastante explorado, a libertação
de Mat da mácula de Shadar Logoth e a
cena que decide definitivamente o destino de Rand, expurgando todas as dúvidas acerca do renascimento do Dragão. Depois de todas as aventuras pelas quais
passaram, creio que é chegada a hora de os garotos de Campo de Elmond abaixar a
guarda em relação ao poder único, às Aes Sedai e à Moiraine. Entendo que a
negação desses elementos foi bastante forte em suas criações, mas acredito que
já houve provas o suficiente para que essa cisma fosse, pelo menos, amenizada. Este é o meu desejo para o próximo
livro, que os personagens amadureçam em relação a manifestações e usuárias do
poder único. Que venha o A Ascensão da Sombra que e já estou ansioso. Que a vez
dessa leitura chegue logo!
Título Original: The Dragon Reborn
Autor: Robert Jordan
País: EUA
Tradução: Mariana Vollmer
Editora: Intrínseca
Páginas: 656
Ano: 2014 (originalmente em 1991)
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