terça-feira, 10 de julho de 2018

Nas Páginas: Acabadora - Michela Murgia


Sabe aquele livro que você fica intrigado pelo título, pela capa e decide ler a sinopse? Aí, a sinopse te convence completamente? Pois é, foi o que aconteceu comigo com o Acabadora. Na primeira oportunidade que tive, comprei o livro e comecei a ler assim que ele chegou.

Nessa história, acompanhamos Maria Listru que é dada pela mãe para Bonaria Urrai, uma senhora enigmática e respeitável. Maria torna-se, então, filha d'alma de uma mulher sobre quem ela pouco sabe. Aos poucos, elas se aproximam, Maria aprende a costurar e passa a ajudar Bonaria em suas encomendas. No entanto, Maria acaba por descobrir que Bonaria é muito mais do que uma simples costureira. Bonaria é uma acabadora. Acabadoras são pessoas que têm o trabalhar de dar fim ao sofrimento dos outros, aos doentes terminais, acamados e a todos que estão prestes a morrer, mas que, por alguma possível injustiça, não são capazes de se desprender desse mundo por si mesmos.

Se minha memória não está muito ruim, acompanhamos três casos em que Bonaria atua como acabadora. Aparentemente, quase todos da vila sabem que ela desempenha esse ofício, mas é algo que não se comenta, essa atividade fica sempre nas entrelinhas. Apesar de respeitarem a acabadora, as pessoas têm certo receio ou até um pouco de medo; talvez, como se a própria Bonaria tivesse incorporado parte do sofrimento que ela extingue ao conceder o descanso aos moribundos. Apenas em um desses três casos é que tudo transcorre normalmente (como normalmente, entendemos que a acabadora pôde dar fim ao sofrimento do doente), nos outros, houve complicações que revelaram outras camadas desse ofício tão controverso.

Discussões acerca da eutanásia estiveram em voga há algum tempo e as questões morais e religiosas levantadas por essa atividade não podem ser desprezadas. Embora não sejam muito aprofundadas, em Acabadora, algumas destas questões aparecem. Como é possível atestar que é o momento de a acabadora ser chamada? Quem é que decide que a morte, a eutanásia, é o único e o melhor caminho? Quais são os critérios, os procedimentos desse alívio concedido pela acabadora? É preciso levar em conta que essa história é ambientada na Sardenha, em 1950, naquela época e naquele lugar, a crença no místico parece ser mais poderosa do que na ciência; mesmo a religião católica, que se opõe ferozmente à eutanásia, parece ter aberto uma excesso àquela atividade. Assim, os moradores tratam o trabalho da acabadora como algo natural, pelo menos, a maior parte deles.

Eu não poderia deixar de mencionar também a influência do realismo mágico nessa história. O tom da história está em confluência com as grandes obras desse movimento. Apesar de não contar com os acontecimentos improváveis que caracterizam o realismo fantástico, temos aquela atmosfera furta-cor, de realidade e sonho. Durante a leitura, temos a sensação de que em qualquer momento poderia acontecer algo absolutamente mágico absurdo, mas que naquela vila seria inteiramente normal, até mesmo comum.

Eu adorei esse livro. Gostei das personagens, da história, dos dilemas da acabadora e o final é de gelar o sangue. A escrita também é outro ponto forte. Murgia escreve como alguém que vai bordando e acrescentando, cuidadosamente, cores ao risco. É uma escrita fascinante! Minha única ressalva (e o motivo de ele não ter ganhado 5 estrelas) é que eu queria mais páginas, mais desenvolvimento, mais da acabadora em atividade, mais confrontos morais, mais tudo. Por favor, se você tem uma história tão incrível quanto a desse livro, escreva pelo menos umas 400 páginas. Leiam Acabadora! Não é um livro muito conhecido, mas que merece ser lido por muito mais pessoas.



Título: Acabadora
Título Original: Accabadora
Autor: Michela Murgia
Tradução: Federico Carotti e Denise Bottmann
Editora: Alfaguara
Páginas: 160
Ano: 2009
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